Entrevista #11 - Di Lacerda (Free Comic Book Day)

Todos nós na Comics and Signatures, adoramos histórias diferentes e de todos os tipos, contadas por diversos tipos de pessoas. Nosso amor por histórias nos levou a conhecer um contador de histórias incrível com um talento e criatividade excepcional. O entrevistado de hoje vocês já conhecem ah algum tempo, ele já apareceu em outros eventos da casa, mas é sua primeira vez em nosso evento de Free Comic Book Day, nos apresentamos a vocês Di Lacerda!

Di, que é um contador de histórias nato, seu talento e criatividade para o storytelling são excepcionais. Ele já possui vários quadrinhos autorais, trabalhos de publicação nacional, e internacionais! Seu traço despensa comentários, pois carrega consigo uma identidade própria que é refletida em cada pagina que desenha. Vamos hoje, conhecer um pouco sobre sua história, e desafios que enfrentou ao longo de seu desenvolvimento como artista. Leiam até o final pois esse bate-papo foi incrível!

 

(CS) Di, é muito bom podermos ter esse momento com você. Já conhecemos seu trabalho faz um tempo, e você já participou de eventos com a gente – Nosso poster do Natal do ano passado leva sua assinatura, e ele ficou incrível! Mas para nossos leitores conhecerem mais sobre você, conta pra gente um pouco da sua história, quando você descobriu seu talento para a arte do desenho e ilustração, e como chegou ao mundo dos quadrinhos?

(Di) Hum, adoro auto biografia, vamos lá. A ideia de dom não é minha maneira de pensar, mas, é inexplicável como desde a 5° série, eu me recordo desenhando no caderno. Se eu buscar um ano antes, não me lembro desenhando.

Hoje eu entendo que tive um problema sério que me prejudicou muito ao longo da adolescência, que devia ter sido acompanhado. Minha insegurança, sentia vergonha de mim, muito quieto, temia as crianças da minha idade, e todos pareciam mais inteligentes do que eu. O que fazia eu ficar sempre sozinho, passando o tempo desenhando.

Sempre me mantive escondido dos olhares. Até que eu descobri que as pessoas estavam me notando por conta dos meus desenhos. O que pareceu agradável, já que ser notado por ser bom em alguma coisa na escola, que mesmo até nos dias de hoje, gera um certo conforto. "Elas gostam de mim por isso", e por isso, eu passava a desenhar mais.

Eu sabia naquela época, mesmo que se alguém olhasse pra mim e eu fosse inexistente, quando descobrisse um desenho meu, me olharia de maneira diferente. Então fiquei conhecido como "o gordinho que desenha".

Até hoje eu plano no mundo da melancolia, me emociono fácil em cenas de filmes ou desenhos nas partes do drama da história, (quando bem feitas), e essa fragilidade no período em que cresci junto com a família hétero top, me fazia segurar o choro ao lado dos amigos para não ser o centro das atenções, porque mesmo que todos se emocionem, o vulnerável sempre é o escape para o outro esconder a sua fragilidade. Foi aí que eu comecei a desenhar histórias em quadrinhos. Porque na maioria das vezes, a história que gostamos são aquelas que nos fazem sentir algo intenso. Seja numa cena de ação, de romance ou comédia.

Eu queria fazer isso, sentir a sensação que eu sentia nos filmes. E o que me trilhava, era a hora de chegar à parte de sentir a emoção. Nem que eu precisasse matar um personagem do nada. O que é curioso, pois nunca consegui fazer terror, certas coisas em questão de história eu não consigo desenvolver, como a crueldade. Meus vilões, são humanos, e eu sempre penso que se eu for capaz de matar alguém que esteja fazendo mal a mim ou alguém que eu amo, o meu vilão, tem que ter essa postura para que eu consiga aprova-lo.

 

(CS) Você tem uma visão excepcional para criação, tanto de personagens quanto para mundos fantásticos e histórias, e o principal você sabe dar vida a eles da melhor forma possível. Você poderia contar um pouco para a gente sobre seu primeiro quadrinho?

(Di) Minha primeira história em quadrinhos, se chamava "Um anjo nas quatros estações”. São quatro volumes, em cada um, uma estação - que conta a história de um Anjo que se apaixonou por uma garota e decidiu virar humano para ficar com ela. A experiência com esse quadrinho foi marcada por uma colega de sala. Ela virou para mim depois de ler o primeiro volume e disse, "agora o Anjo vai virar humano, depois que ele se transformar, ela morre".

Eu fiquei abismado como ela sabia a parte mais emocionante da minha história. Mas o choque maior foi quando ela disse, "você copiou do filme Cidade dos Anjos". Eu tive uma parada no tempo para pensar como alguém havia criando a mesma história que eu e já tinha virado filme, eu nunca tinha assistido.

Muitas estações passaram, até algum dia eu ler a frase que expandiu a minha mente e me fez entender o mundo das histórias, "Nada se cria, tudo se copia" - mas, claro, precisa ser de uma maneira diferente. Naquela época, fiquei chateado com a minha história ser vista como plágio, e é onde eu fico até hoje tentando encontrar algo novo com mais do mesmo.

E essa busca é difícil, porque se entende como se escreve um roteiro, cansa assistir filmes e ler livros que você sabe o que está acontecendo. O certo de recriar uma ideia, é encontrar a "medida certa". E o baixo consumo te resulta em menos inspiração.

Mas atualmente estou trabalhando em "Jon F, e o líder dos vampiros". Está chegando ao final e desde quando vi ele desenrolar na minha mente - eu chorei muito dizendo para mim mesmo, que era isso "que precisa acontecer com eles". Não vejo a hora, ocasionalmente, de parar de receber propostas de trabalho, para que eu volte a série haha.

 

(CS) É muito bom ver em como desenhar te ajudou a encarar certas adversidades da vida e como isso te moldou como pessoa e te ajuda na sua forma de se expressar com o mundo. Isso torna o seu trabalho realmente único, porque faz com que seus traços carreguem toda uma história com ele. Mas Di, diz pra gente, quais são suas referências artísticas, suas inspirações e os tipos de história que te cativam?

(Di) Eu venho descobrindo certas coisas aos 35 anos que não está sendo fácil lidar. E se parar para pensar, nunca paramos de descobrir as coisas, seja na adolescência ou qualquer idade. Aprender a aceitar, que é o desafio.

Quando penso em magia, encantamento, aquele sentimento de vazio ao mesmo tempo esperançoso, eu penso na "A viagem de Chihiro". Hayao Miyazaki mostrou pra mim que eu poderia fazer tudo ao mesmo tempo, ser o roteirista, o desenhista, o colorista o divulgador. É por isso eu geralmente quero fazer tudo sozinho.

Quando eu penso em colocar tudo o que sinto (bagunçar com ideias aleatórias e conceitos) me vem à mente Neon Genesis Evangelion, eu tinha 14 anos quando li, odiava o Shinji, porque sabia que era parecido com ele, o que eu descubro na minha idade é que não admiramos pessoas como nós, porque sabemos quais são os erros, e onde poderíamos acertar, mas não colocamos em prática.

Quando eu procuro a possibilidade de criar a história com personagens cativantes, no cenário de estar na hora certa, com coadjuvantes certos, encaixar cena perfeitamente, eu penso em Procurando Nemo. E eu falo da Dolly como personagem cativante principal, porque sem ela, não haveria história.

Tem uma frase de Osamu Tezuka que diz, "mangá não é desenho, é história", faça uma boa história e terá leitores para qualquer traço. A gente vê isso nas tirinhas e memes. Então nunca me preocupei de fato em fazer um bom desenho. Mas eu seria hipócrita, se eu disser que não me importa de fato. Assim, existe um limite que eu utilizo e me faz superar. Eu sempre achei o que estava fazendo bonito, e sempre via que artistas que me inspiravam desenhava melhor que eu, até hoje penso, posso não desenhar assim hoje, mas se eu for desenhando... desenhando, eu chegarei lá um dia.

Então é como se eu desse três tapas na cara, quando perco a sanidade ao olhar para o papel e sentir que tudo está uma merda. "Calma, um dia você vai se sair bem". Então, entende-se que não há um tipo de história que me cativa, perco muita oportunidade porque eu julgo o livro pela capa. E me arrependo amargamente quando descubro que aquilo tinha rejeitado era bom.

 

(CS) Suas referências de filmes, séries e artistas de grande nome do mundo do mangá são visíveis em seus quadrinhos e até mesmo na forma de como você conta suas histórias, mas você passou por várias mudanças ao longo de todo esse tempo, principalmente na forma em como você desenha. Seu traço, passou por várias mudanças, você tem toda uma habilidade tanto com mangá e com um formato mais voltado para o “formato americano”, o que poderia nos falar sobre essa mudança?

(Di) Com o tempo eu passei por certas mudanças, a minha transição do estilo mangá para o estilo "americanizado", foi um momento de dificuldade financeira, por alguma lógica eu entendi que desenhar mangá não me traria futuro como quadrinista. Qualquer hora, eu passaria a desenhar menos trabalhando 10 horas por dia atrás de um balcão, e isso ainda me incomoda. Trabalho como operador de telemarketing justamente porque a carga horária é menor.

Eu sinto muito que no Brasil, o que eu gosto de fazer é desvalorizado. Você luta diariamente por todos os lados para conseguir colocar a cara sobre o muro. Vejo pessoas que eu sigo, se esforçando, quando nas bancas e livrarias toda história em quadrinho é importada. Nos agarramos a fulano que conseguiu pular o muro acreditando que talvez conseguimos também. Uma verdade... no Brasil se paga bem, existem bons artistas, mas a aposta sobre nós, é cultural. Enquanto não mudar a cultura, não teremos sucesso para consumir, que dirá exportar.

Uma vez me disseram, nossa, John F, é tão bom que poderia virar uma serie da NETFLIX. Aquilo foi como dopamina. Eu acredito que sou capaz, não devíamos nos subestimar, porque "eu" gostaria de ver o que estou escrevendo se fosse outra pessoa que tivesse fazendo.

Quando eu criei John F, eu não tinha a consciência da representatividade, mas, também não queria colocar todos os conceitos numa única cartada. Para quem quer criar histórias e terminá-las, é preciso compreender que nem tudo o que você faz para os outros, vai te empolgar tanto quanto o que faz para você. A não ser que envolva dinheiro.

(CS) Sim no Brasil por causa da cultura muitas vezes nos vemos bem tristes quando se trata da valorização dos artistas. Mas isso tem mudados nos últimos anos, a produção Nacional tem tomado uma nova forma recentemente tanto com editoras mais independentes como algumas que tem ganhado um espaço, como a Guará. Você trabalhou em um dos quadrinhos da editora, Santo, como foi a relação em chegar na editora e ser escolhido para fazer parte da equipe deles e produzir esse título?

Ao longo de uma década eu trabalhei com a minha mãe, sempre fui seu braço direito. Ela gostava de trabalhar com comida, então tivemos trabalhando juntos em restaurantes e lanchonete. Infelizmente, minha mãe não compreende questões administrativas de empresa, e conforme eu fui avançando a adolescência queria ter salário fixo, registro e férias. Fui me dando conta de que eu era uma pessoa muito justa, eu queria trabalhar pelo valor certo, pelo tempo certo, e receber por isso e fim.

Nesse tempo, eu recebia muitos pedidos de desenho, geralmente as pessoas queriam pagar por eles, mas eu não tinha coragem de cobrar, desenhei inúmeras pessoas com a desculpa de que seria um presente porque não conseguia tirar da minha boca o preço pelo meu trabalho. Isso foi por muitos anos. Cobrar pelo meu trabalho era difícil porque eu via um desenho como algo simples de fazer, (porque pra mim era fácil) e as pessoas que não desenhavam ficavam tão lisonjeadas que também achava normal eu presentear - dispor de tampo, conhecimento e material, era normal.

Passei por uma fase complicada financeiramente, e com a ideia de fazer artesanato para ganhar um trocado, pintava caixas com foto das pessoas, e iniciei a cobrança pelo trabalho, me dei conta que era muito trabalho para pouco retorno, acabei percebendo que existem pessoas que não sabem o valor de um trabalho não industrializado. Eu precisava vender para as "pessoas certas", porque assim, elas pagariam o valor que realmente era certo, não as encontrei. Foi aí que ocorreu minha transição de traço do estilo mangá para o atual, tentando apostar nos quadrinhos.

Quando eu falo em apostar, não é que eu tivesse alguma noção de mercado ou como iniciar a profissão de quadrinista, sempre sonhei em ter uma obra minha publicada, encaminhava e-mails para editoras e editores, na esperança de que eu fosse reconhecido e contratado para fazer algo. Mas nunca isso deixou de ser uma fantasia da minha cabeça, era como se eu tivesse brincando de casinha.

As pessoas do meu convívio nunca tiveram conhecimento sobre esse universo de fazer um desenhar e vender, então, eu estava deficiente sobre ganhar dinheiro com desenhos. Mas eu via publicações no youtube, de quadrinhos franceses, americanos, italianos, e pensava, se eu fizer um quadrinho, pode ser que alguma editora goste, eu só preciso fazer.

Essa era a premissa, então fui eu estudar anatomia e estilo de desenhos americanos que mais me atraia, sabendo que existem diversos traços, acabei me encaixando com desenho nanquim e pincel. Iniciei uma história em quadrinhos chamada A investigadora de Zumbis, no dia em que postei os primeiros Sketchs dos personagens no facebook, eu recebi uma mensagem de um americano perguntando o quanto eu cobrava por página. Não sabia quem era ele, mas aceitei de imediato.

Não sei falar inglês, e não sabia como era a dinâmica, cobrei a página à 25,00 reais, e ele me pagou por 25,00 dólares. (Não vou falar o nome da história haha). Fiz duas edições de 3 e acabei descobrindo um mundo totalmente delicado de lidar.

A experiência que tive com ele não foi das melhores, me lembrava o trabalho que tinha com a minha mãe, as cores nem sempre estavam boas, a história era desagradável, as correções eram frequentes mesmo após finalizar e enviar. Como se tudo o que eu sabia fazer no momento não fosse suficiente pelo valor pago. Mas isso era o que eu achava de início. Até que surgiu o convite para desenhar Starboy, após ler o roteiro, fazer sketch dos personagens, eu recebia muitos elogios, desses que eu poderia ter a liberdade de compor a cena e estar agradável ao editor.

Eu entendi que existem pessoas e pessoas. Eu entendi como eu gosto de trabalhar, e entendi que mediante ao valor ser pago, eu decido se vale a pena o transtorno que posso acabar enfrentando. Então você trabalha com pessoas que podem pagar o valor que você pede e elas aceitarem, ou trabalhar pelo valor que a pessoa oferta.

No processo da Guará, foi um convite. O Rapha Pinheiro, (personagem que eu já admirava pelos vídeos no Youtube de como fazer quadrinhos, como vender...) aparece me convidando depois de ler Starboy. Os demais, também foram convites. Tanto aqui no Brasil quanto fora.

Ficou nítido pra mim que eu já estava pronto há muito tempo em relação a composição e a narrativa da página, só me faltava abandonar o mangá. Não é uma crítica que eu faço, mas infelizmente pela experiência que eu tive, pessoas que desenham no estilo mangá, podem ter um trabalho maior para conseguir destaque no mercado de quadrinhos do que se tivesse qualquer outro estilo de traço.

Por fim, eu ainda não me sinto estabilizado, tenho o convite da Guará para outras edições, e acredito que por mais que seja difícil de trabalhar comigo também, fiz um bom trabalho e eles o apreço pelo meu desenvolvimento. Não é qualquer trabalho que eu aceito fazer, e não tem um lugar que eu poça indicar para conseguir trabalho, você tem que ir divulgando, e nem é a questão de ter mais seguidores ou ser mais popular, as pessoas te encontram porque gostam do seu estilo de desenho. É fato, você tem que mostrar conhecimento básico sobre executar um quadrinho, mas não há no mundo, alguém que pode dizer que se você desenhar bem já é o suficiente para trabalhar para Marvel. Tem várias questões.

Uma dica: O melhor estudo para aprender a fazer quadrinhos, é fazendo quadrinhos. As pessoas que tem vontade de trabalhar com isso, precisam fazer seus próprios quadrinhos. Então, sonhe e seja você mesmo seu Hayao Miyazaki, que as coisas acontecem.

 

(CS) Você já vem a um tempo ao longo dessa conversa falando sobre o seu quadrinho autoral de maior destaque “John F. e o líder dos vampiros”, que já se encontra em seu volume 8. Como foi criar esse e outros projetos?

É muito fácil criar uma história, o difícil é terminar ela. Eu estava familiarizado em criar um roteiro e prosseguir com o mesmo até o fim. Pelo menos foi o que achava quando criei Tagaua e Midori (A máquina) e Interferência Disfuncional. Depois daí, foi só ladeira a baixo, criando histórias que não tinha nenhuma preparação de roteiro, em alguns momentos não sabia mais para onde ir, não tinha ideias e inspiração.

A Investigadora de Zumbis foi criada em um momento que acreditava que essa forma de pensar, criar roteiro e seguir com ele até o fim continuasse a ser fácil, mas um desvio se quer na atitude do personagem, quando se trata de fazer vários volumes, muda totalmente o rumo da história, pode deixar a história mais interessante no momento, e depois perder tudo que estava planejado. Recriar por cima de novas atitudes é extremamente impossível. John F, por enquanto, segue a mesma linha de quando escrevi.

Eu, em umas das conversas com amigos no facebook, fui questionado porque não tinha criado até então um personagem LGBT. Eu não sou militante, e acredito que tudo que é forçado goela abaixo é difícil de digerir, eu teria muita coisa para contar, mas a primeira imagem que eu tinha de um personagem LGBT interessante, seria um cara que não aparentasse ser LGBT - o que desvia da representatividade, já que o que eu estava fazendo era só mais um cara branco, físico no padrão, com pinta de justiceiro feito Deadpool, ser o protagonista. "bem, assim é fácil". Porque as pessoas consomem mais fácil os personagens dentro do padrão independente da sua sexualidade.

Então criei a história, nunca sendo o foco ele ser gay, e foi tão bem executado que percebi isso aleatoriamente quando encontrei no twitter uma pessoa que havia lido um ou dois volumes, muito tempo atrás, perguntando para seus seguidores se alguém lembrava o nome do quadrinho de um cara que morava no meio do nada e lutava contra vampiros que ficava soterrado na lama. Havia mais descrição, mas ele ser gay era irrelevante.

Porque na verdade, na minha opinião, a sexualidade do personagem precisa ser irrelevante, porque você naturaliza e as pessoas ao longo percebem, "olha, ele é gay" como devia acontecer com amizades no mundo real. "Ah, meu filho é gay. Ah, meu sobrinho é gay, aquela minha amiga é gay".

Eu vejo que aparentemente quem é gay dentro do cenário da ficção, já está inserido a muito tempo como personagens secundários que estão ali para quebrar o clima da história com algo engraçado, algo para representar a classe, mas nunca para estar na capa como o super herói. Você pega meados dos anos 90, e teremos pessoas não aceitando que esses personagens existiram de forma camuflada. Temos "Chris Tucker como Ruby Rhoad" no "O quinto elemento, onde praticamente era um personagem LGBT aceitável, mas ele tinha de ser engraçado e não poderia ter atitudes homossexuais, como as atitudes heterossexuais do Korben Dallas sobre a LEELOO (Bruce Willis e Mila Jovovich). Quando se fala de travesti nos anos 90, temos as Branquelas, um homem podia se vestir de mulher e se emperiquitar toda no cinema, desde que fosse heteros de verdade, e fizesse as pessoas rirem muito com isso. Cadê o protagonista LGBT de verdade, sem a máscara? "Korben Dallas jamais poderia ser gay".

Jon Kent, o filho de Clark Kent e Lois Lane, é bissexual. Isso em 2021. Evoluímos tão rápido que não nos damos conta que a 7 anos atrás, as coisas mudaram muito, e falando um pouco de política eu me decepcionei com vários amigos de facebook, apoiando um presidente que não favorece a minha classe.

Como se realmente o personagem LGBT, pode existir, mas, precisa ou deve ficar escondido. Várias pessoas que eram do convivei-o de redes sociais desabrocharam todo um sentimento reprimido de homofobia com o apoio do atual governo. Por um instante eu vi a plataforma que dava a liberdade de interagir, se tornar um circo de horrores para preconceituosos, que me admiravam como quadrinista, como ex aluno do colégio, como conselheiro de desenho, mas que era totalmente contra ao conceito do que eu imaginei sobre os LGBT na Ficção.

O personagem protagonista LGBT não é bom o suficiente? Não consegue ser corajoso, não parece saber lutar até a morte para salvar alguém que ama ou segurar uma arma e dar porrada em um monte de monstros que querem acabar com a humanidade? Façam essa pergunta e reflita.

Então foi essa a minha imaginação e conceito para criar John Flower, um cara que mora no meio do nada, tentando sobreviver ao ataque de criaturas que rodeiam sua casa, protegendo uma criatura muito perigosa de uma organização que aparece para matá-la, e que por sinal, ele é gay.

Minhas histórias sempre, desde o volume inacabado ao finalizado, tem um déficit na relação afetiva familiar. Seja o irmão tentando salvar o irmão mais novo, o pai tentando proteger o filho, a amiga se dedicando a cuidar de alguém que transmite a imagem voterna. Ou seja, alguém que precisa ser amado ou cuidado.

Quando eu crio esse cenário, eu entendo que é o que eu sei escrever melhor, porque as aventuras dos personagens precisam estar ligadas ao que você conhece e sente. E as coisas evoluem de acordo com cada fase da vida, hoje em dia, eu estaria preparado para falar numa história situações relacionadas a busca pelo desapego afetivo, a descrença religiosa, entre outras coisas que eu sinto, mas não consigo explicar, geralmente, percebemos no papel algo que está nos consumindo, criando a mesma coisa repetidamente.

 

(CS) E muito bom ver e entender o ponto de vista do criador da história quando a está concebendo, para ir além do que ele estava buscando passar com suas páginas. Representar algo, passar um sentimento, expressar a falta de algo ou busca por algo no desenrolar no storytelling que remete a você, aquele que cria e desenvolve cada traço e letra da história, pra mim como leitor isso é muito importante, e uma das partes que mais gosto quando estou lendo uma história (adoro um backstage haha).Mas ainda falando sobre os seus trabalhos, recentemente você também tem feito trabalhos internacionais, como Stenwolf e Split Personas, como foi sua entrada no mercado internacional de quadrinhos?

De certa forma eu não sei por qual motivo o editor chegou até a mim, simplesmente ele me mandou mensagem pelo insta e eu aceitei depois que li o roteiro. A conversa sempre foi muito curta, sem muita observação. Toda vez que esboço as páginas encaminho antes de finalizar, para aprovar, pelo insta mesmo - após, altero alguma coisa apenas se passou despercebido. Eu explico que por ser um desenho tradicional, é complicado corrigir na mesa digital, por isso utilizo o processo de encaminhar antes para análise. Tenho liberdade de composição de cenas e coloração.

 

(CS) Agora que já conhecemos um pouco mais sobre você, sua trajetória é história, vamos falar um pouco do futuro e seus planos. Quais quadrinhos ou projetos que tem pensado em fazer ainda esse ano, e outra coisa realmente importante você pretende participar de eventos futuramente, como a CCXP por exemplo ou até outros?

Eu queria literalmente ser como o Jack Dawson na mesa de jantar do Titanic. Deixar a vida me levar, acordar sem rumo, sem saber o que vai acontecer ou onde vou parar. Porém...
Sendo sincero, Moro sozinho, tenho 10 cachorros pra dar comida e isso, foi sempre o que mais me importou no momento.

Fazer quadrinhos, por não ser algo que me traz segurança financeira, não é alternativa de apostas futuras da minha parte, sempre caminho ali na beirada da calçada, tenho certeza que vou morrer fazendo quadrinhos, mas os meus. A vida adulta é uma escolha sem volta, e pior, nem somos nós que escolhemos. A vida vai nos empurrando.

Pretendo iniciar um curso de inglês esse ano, tenho um objetivo a longo prazo... Tudo em mim é assim, eu idealizo e vou dando uns passos. Quando eu tiver menos cachorros ou nenhum, acredito que daqui uns 15 anos, vou colocar uma mochila nas costas e ir pra fora.

Ccxp, ou qualquer outro evento... Nunca tive oportunidade de participar, mas eu sou o culpado. Não me orgulho disso. Eu sou diferente, mas deve ter uns semelhantes por aí. Eu não ligo muito no lance de fazer mercado com quadrinhos. "No sentido de acreditar muito e apostar todas as fixas nisso" como um Maurício de Souza... Eu faria quadrinho pra mim e postaria de graça pro resto da vida.

Olha, acho bacana quem tem a oportunidade de desenvolver mercado, mas é difícil quando você simplesmente tem só você e é limitado financeiramente. Conhecimento é tudo, a pessoa abre a mente, expande ideias, mas conhecimento também envolve condições. Eu não tenho condições de além de desenhar o que eu desenho, estudar com as ferramentas que eu tenho, e trabalhar pra me manter, saber abrir uma empresa de quadrinhos e trabalhar pra mim nisso.

Divulgar pelo catarse é só mais um desafio que não faria muita diferença na situação atual. Quando eu falo do Jack Dowson, é justamente acreditar em oportunidades boas que geralmente aparecem.

 

(CS) Sim, entendo completamente o quanto lidar com certas inseguranças e também outras questões da vida, podem ser difíceis. Mas arrisque, caso tenha a oportunidade vá a um evento e faça um catarse, tenho certeza que não irá se arrepender. Mas para fecharmos Di, nós gostamos muito de recebe-lo hoje aqui em nosso evento e foi uma conversa muito prazerosa que tivemos, com certeza nossos leitores adoraram conhecer você. Você teria algumas últimas palavras pro pessoal que quer conhecer mais sobre você e seu trabalho?

Primeiro agradecer. Não sabem o quanto me sinto feliz. Dizer para as pessoas que gostam de desenhar, pense em se encontrar, para que façam do desenho um prazer e não um trabalho. Claro que tudo gera esforço e cansaço, mas deve ser prazeroso.

 

1 comentário

Carlos

Carlos

Pessoal, as entrevistas estão ótimas! Tenho o print de Natal da CS feito pelo Di Lacerda e é lindo. Uma sugestão: coloquem sempre o Instagram ou Facebook dos artistas… Obrigado!

Deixe um comentário