Entrevista #05 - Levi Gama (Free Comic Book Day)

Diretamente da região Norte, eu apresento a vocês Levi Gama, quadrinista independente da cidade de Parintins no Amazonas. Através da sua arte ele busca mostrar sua origem e suas raízes a cada traço. Mesmo produzindo quadrinhos a pouco tempo, seu desejo de trabalhar com eles vem desde sua infância. Levi já é um artista fenomenal, cujos traços irão te lembrar a de grandes mestres como Kim Jung Gi e Shiko, você vai se impressionar e se emocionar com o seu trabalho e sua história. Então vamos a nossa entrevista...

 

(CS)Bom, eu meio que conheci seu trabalho com quadrinhos nas minhas pesquisas e curti muito sua arte, seu traço é realmente incrível, e sempre ficamos curiosos em saber, como você descobriu seu talento para desenho e arte em geral?

(LG) Opá Vitor, eu comecei a curtir arte, a conviver com essa atmosfera artística bem cedo. E a primeira linguagem artística que me apresentaram foram as histórias em quadrinhos e foi meu pai quem me apresentou a elas.

Meu pai não é um grande fã de quadrinhos, mas ele era uma pessoa que lia muito, e é dele que vem essa influência. Foi dele que recebi minhas primeiras revistas em quadrinho, descobri o que era DC, MARVEL, conheci personagens como TEX e ZAGOR.

Só que curtir desenhar mesmo, e produzir desenhos, veio de influência de meu primo, quando eu era pequeno, eu o via desenhando e ele desenhava super bem, e através dele eu percebi que era aquilo que eu queria pra minha vida.

Eu não era muito talentoso no início (haha), lá pelos meus 5 ou 6 anos de idade. E eu acredito que lá pelos meus 15 anos meu traço começou a tomar outra forma, depois de muita pratica.

Mas o momento em que eu percebi que eu queria a arte e o desenho para minha vida profissional (o desenho como carreira e não mais como um hobby), foi em 2018, quando comecei a me especializar na área, foi quando eu decidi produzir quadrinhos, e desde então atuo na área até hoje.

(CS) Que bacana, aqui também quem me influenciou para cultura pop foi da família, e muito maneiro ver a sua decisão de seguir profissionalmente nos quadrinhos. E quais foram/são suas inspirações para se tornar um quadrinista, tem algum artista em especifico que você se espelha?

(LG) Pois é, claro que escolher trilhar esse caminho artístico, não é uma decisão tão fácil a se seguir. Mas eu costumo dizer que qualquer caminho profissional que você siga, tem suas dificuldades e suas lutas e sacrifícios e a arte não é diferente.

Minha referência artística começou com o Frank Miller, foi o primeiro artista que me chamou a atenção e com a qual eu me identifiquei. E no início eu o copiava descaradamente mesmo (haha), tentava tornar meu traço orgânico e vivo igual o dele, e com o tempo quando comecei a conhecer pessoas da área eu comecei a me identificar com outros desenhistas e estilos diferentes, como o Mike Mignola.

Mas faz algum tempo que minhas referências mudaram, conheci os trabalhos do Kim Jung Gi, um artista asiático excepcional, e o Shiko um artista brasileiro incrível que transmite no traço dele e no seu desenho uma essência única da sua regionalidade, e isso me chama muito a atenção pois é algo que eu busco para a minha arte, transmitir minha essência e o lugar de onde eu vim.

 

(CS) Sim, seu traço me lembra muito os do Kim Jung Gi, é visível a influência dele sobre seus desenhos. Mas Levi, eu sei que você já participou desenhando alguns quadrinhos, como foi a experiência de desenhar seu primeiro quadrinho, já fez alguma publicação totalmente independente como roteirista e desenhista etc...?

(LG) Eu me considero um cara muito novo na produção de quadrinhos, e foi realmente em 2018 onde tive minha primeira experiência com a história “Caturama e a ilha dos mistérios”, é uma história totalmente elaborada pela minha esposa Rafa Pimentel, e ela me deu certa liberdade para dar uns pitacos em alguns pontos, mas foi pouca coisa (haha). Mas toda a estrutura da história é de autoria dela.

Nós fizemos o lançamento dessa história em formato de zine, fomos atrás de patrocínio para custear certas partes da produção para publica-la. Lançamos ela em 2019, mas tinha alguns erros por ter sido minha primeira revista, eu ainda não tinha muita experiência em certas coisas e meu traço ainda era bem fino, mas foi uma experiência que irei guardar para toda vida.

O Caturama serviu como um ponto de partida tanto como artista quanto pessoa, foi um encontro comigo mesmo no meu lado mais regional, meu lado indígena. Após ele, eu produzi mais um zini que foi o “Teça – E o pássaro do papo negro”, que foi lançado no dia do quadrinho nacional em Manaus, onde fiz o roteiro e os desenhos, foi onde passei a adotar uma outra forma de arte final, onde troquei a caneta nanquim pelo pincel, que está sendo agora minha principal ferramenta.

Também fiz algumas páginas para Ajuri, mais uma zini, onde lancei uma história de cinco páginas, onde o roteiro mais uma vez foi criado pela Rafa, que falava sobre feminicídio. Depois disso eu entrei em vários outros projetos como MAO39º, Contos do Mato, entre outros. Mas MAO39º e Contos do Mato, foram muito importantes para mim, foram minhas primeiras experiências em lançar uma revista maior (que não era um zini).

Um dos meus principais objetivos atualmente, está sendo em lançar uma produção com mais páginas, e eu sempre converso com a Rafa e sempre falo “É agora que estou aprendendo a fazer quadrinhos”, tudo que fiz até agora foram escolas para me colocar nesse meu momento atual.

 

(CS) Que bacana, você e sua esposa formam uma dupla e tanto! Tem sido um bom caminho, e de muito aprendizado, tanto artístico quanto na parte de roteiro. Mas diz pra mim o que tem sido a experiência de desenhar/ escrever quadrinhos para você, como isso tem te ajudado?

(LG) Produzir quadrinhos, não é fácil. É algo que exige muito do artista, é uma produção que tem um grau de complexidade muito grande e o artista ele precisa dominar muitas coisas, ele precisa saber desenhar de tudo, e é algo que o crescimento é processual, eu sou um cara que defende muito a ideia do processo artístico, e é necessário você se acostumar com seu processo e saber errar e aprender com ele.

E eu estou vivendo o meu processo nesse momento, os quadrinhos mudaram a minha maneira de ver arte, eles me dão o equilíbrio no ser um artista técnico e um artista empírico, que transmite através de toda a arte transmitir um certo tipo de sentimento algo a mais além dos desenhos, e os quadrinhos me ajudam a enxergar isso e me tirar da minha zona de conforto todos os dias.

Hoje eu atuo em outros segmentos artísticos como pintura em tela, ilustrações, mural, onde trabalhar com quadrinhos me ajudou a enxergar outras possibilidades de me expressar artisticamente.

(CS) A ideia de processo é muito importante e mostra também que você tem um ritmo próprio pra construir seus quadrinhos, e todo esse processo te ajuda a passar a emoção que você deseja em sua arte. Eu vi o mural Boriwi, em homenagem às vítimas indígenas do Covid-19, ele é um trabalho incrível. Além de artista de quadrinhos, você também é professor e coordenador na "Buriti - Artes e quadrinhos de Parintins", o que você poderia nos falar sobre a escola?

(LG) Na verdade, o Buriti é um coletivo de artistas, ele começou em 2018, quando comecei a produzir quadrinhos de forma mais séria, e fazia muito tempo desde quando comecei a produzir quadrinhos que eu e a Rafa, pensávamos em criar um coletivo.

No começo de 2018, comecei a estreitar laços com artistas de Manaus, onde conheci a realidade artística do pessoal da região. Quadrinho independente de certa forma é algo novo aqui no Amazonas, e lá eles já têm uma estrutura um pouco mais ampla do que aqui em Parintins, em uma das minhas viagens para a região, eu conheci essa realidade e de como esse tipo de espaço funcionava. Hoje ainda faço parte de alguns coletivos de Manaus, mas a ideia era de construir um em minha cidade, Parintins.

Focando em produzir e fomentar a criação das histórias de quadrinhos aqui na cidade, decidimos montar o coletivo. E chamar ele de Buriti, que é uma fruta bastante conhecida aqui da região Norte, que significa árvore da vida, é uma palmeira que vai atrás de água, onde se tem uma palmeira de Buriti se tem água, isso se assemelhava muito com o que queríamos criar naquele momento, era realmente como um fruto que queríamos plantar e dali viria uma grande arvore, foi assim que surgiu o nome.

Convidamos alguns artistas da cidade e começamos a disseminar e falar sobre quadrinhos. O coletivo começou em 2019, no evento “Grito da Periferia”. Um dos primeiros desafios que tivemos foi propagar a questão da cultura pop e incentivar a produção aqui na nossa cidade.

 

(CS) Você comentou sobre trabalhar em outros estúdios, e iniciativas que ajudam a propagar as histórias em quadrinhos pela Região Norte em geral, como tem sido participar dessas iniciativas?

(LG) Participar desses coletivos e desses estúdios, tem sido uma experiência muito única para mim, isso ajudou muito a usar esse conhecimento e passar para as pessoas aqui de Parintins, e essa parceria acabou dando uma visibilidade boa aqui para a região, o contato com outros artistas tornou tudo muito mais viável, para disseminar tanto o coletivo quanto nossos trabalhos.

 

(CS) Muito bom a criação de uma rede de divulgação, isso ajuda tanto você quanto os outros artistas. Agora fica a curiosidade, quais seus planos para o seu futuro como artista, e futuros projetos no meio dos quadrinhos e próximos lançamentos?

(LG) Esses últimos dois anos, estão sendo anos de muito trabalho, foi um período bem louco na verdade (haha). Eu participei de muitas coletâneas e alguns quadrinhos de alguns estúdios de Manaus, e tive algumas participações produzindo histórias curtas de 10 a 15 páginas. Nesse momento estou trabalhando em uma revista que ainda estou produzindo que será lançada em setembro ou novembro.

E tendo toda essas experiência que eu tive até o momento desde 2020, eu precisei que me desdobrar todo para produzir tanto quadrinhos, quanto outros projetos a qual eu estava envolvido fora do eixo dos quadrinhos.

Ao longo desse tempo, eu acabei tendo muita vontade de lançar algo só meu, as vezes você tem uma história bacana e tem que tentar resumir ela em poucas páginas. Com o Caturama por exemplo, que foi apenas uma zini, eu tenho desejo em retomar a história, mas agora de outra forma. Eu pretendo no próximo ano, fazer um relançamento da história com um novo roteiro e agora aplicando o meu novo traço pois nesses anos que se passaram ele passou por muitas mudanças.

Fora os outros trabalhos que pretendo fazer nos outros ramos culturais que eu participo, claro que sempre envolvendo a cultura pop e quadrinhos, mas com uma pegada voltada para exposições, pintura em tela, escultura. Aonde eu estiver as histórias em quadrinhos sempre vão estar comigo, pois levo o seu aprendizado comigo para todas essas outras áreas.

 

(CS) Legal ver que independente de para onde você vá, levar a cultura pop e a ideia das histórias em quadrinho sempre te acompanha. Para finalizar, pro pessoal que está vendo seu trabalho que temos a honra de estar divulgando durante o Free Comic Book Day, você gostaria de deixar uma mensagem pro pessoal que vai ver sua arte e seus trabalhos?

(LG) Primeiramente eu queria agradecer esse momento que estou podendo ter aqui com vocês, está sendo muito bacana e super especial, eu agradeço muito de coração. E o que eu queria era, mostrar através dos meus trabalhos, que aqui na cidade de Parintins, aqui no interior, existe produção de quadrinhos, que aqui conversamos sobre o assunto e conseguimos nos expressar através dele.

A nossa posição, o lugar a qual a gente pertence e o nosso melhor meio de se expressar, da forma mais sincera de mostrar aquilo que há de mais puro dentro de nós. Eu acredito nisso, o lugar a qual eu pertenço é o berço da minha arte.

Ainda que eu me mude algum dia, eu sempre irei fazer parte desse lugar é onde está minha essência é o meu chão, então cada detalhe e cada traço, é um fruto uma parte da onde eu nasci e fui criado.

 E é isso, eu espero que essas produções atinjam o máximo de pessoas possíveis, e que as pessoas conheçam mais a arte e os quadrinhos que são feitos aqui em Parintins. Viva a arte e viva a nossa cultura, e eu só desejo coisas boas ao evento e a todos, muito obrigado.

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