Entrevista #14 - Antônio Coltro (Free Comic Book Day)

Em nossa última entrevista para o Free Comic Book Day desse ano, nos teremos a ilustre presença de um quadrinista muito especial, ele que vive uma vida dupla, igual ao Batman – Que ele tanto adora – como, arquiteto pela manhã e quadrinista durante a noite, nos apresentamos a vocês Antônio Coltro.

Ele que vem refinando sua arte a 10 anos irá contar um pouco sobre sua história, trabalhos, e seus futuros projetos como quadrinista. Não percam esse bate-papo incrível que nos tivemos.

 

(CS) Coltro, é muito bom ter você por aqui em nosso evento do Free Comic Book Day desse ano. Faz muito tempo que acompanhamos o seu trabalho e estávamos muito animados para essa nossa conversa. Mas vamos começar um pouco devagar, nos conte um pouco sobre a sua história, como você descobriu sua paixão por desenhar, e principalmente como chegou ao mundo dos quadrinhos?

(AC) Fico feliz por estar “no radar” de vocês e mais ainda pelo convite para participar do FCBD deste ano. Muito obrigado!

Segundo meus pais, eu desenho desde os 2 anos de idade. E sempre desenhei bastante.

Quanto aos quadrinhos, meu pai comprava gibis pra mim desde pequeno. Nasci em 1980 e tenho até hoje as edições da primeira publicação de Batman Ano Um, de 1987, da Abril Jovem. Eu lia muito Batman (leio até hoje) e Fantasma.

José Luis García-López, Mazzucchelli, John Byrne e Jim Aparo foram eram meus artistas favoritos.

Aos 11 anos, li Akira pela primeira vez e fiquei completamente entorpecido pela HQ (minha favorita até hoje) e Katsuhiro Otomo se juntava ao meu Top 5 de artistas.

Batman e Homem-Aranha eram os dois títulos que eu acompanhava religiosamente, até que a Saga do Clone estragou tudo para o Aranha e eu substitui o título por Spawn.

“Akira”, somado ao “Batman” do Norm Breyfogle e ao “Spawn” do Todd McFarlane foram definitivos para que eu quisesse ser desenhista de Quadrinhos.

Aos 16 anos, já falando Inglês relativamente bem, resolvi ligar para o escritório da Image, pedi o sinal de fax e comecei a enviar dezenas de desenhos, na esperança de ser avaliado (e eventualmente contratado por eles). Sem experiência, sem nunca ter feito um curso de desenhos e sem agente. Hahahaha… A secretária pediu, gentilmente, que o meu agente entrasse em contato com eles, pois ela não tinha o que fazer para me ajudar. Pela primeira vez, entendi que estava fazendo tudo errado e acabei engavetando aquele plano.

Ingressei na Faculdade de Arquitetura em 1999, e até 2012 não desenhei mais nada que não fosse relacionado à área.

Voltei a desenhar coisas relacionadas a Quadrinhos somente em 2012. E ia postando as artes na minha página no Deviant Art, até que, em Agosto de 2014, recebi minha primeira encomenda, de um Roteirista canadense (Geovanni Flores). Após entregar a encomenda, ele me convidou para desenhar uma história curta de 8 páginas que virou uma edição completa com 26 e uma capa. Foi meu primeiro trabalho com quadrinhos.

 

(CS) Bom ver que com o tempo independentemente de como seguiu seu caminho, você se manteve no meio da arte e do desenho. Você comentou sobre os artistas que te influenciaram na sua infância, como Breyfodle e McFarlane, mas quais são suas referências hoje, quais artistas tem te inspirado atualmente, a seguir no mundo dos quadrinhos?

(AC) Garcia-Lopez e Mazzucchelli são referências para as quais eu sempre retorno, mas tenho muita coisa do John Paul Leon, Lee Weeks, Tomm Coker e Travis Charest. São artistas com estilos diferentes entre si, mas dos quais eu tento absorver o máximo de influência possível.

Entre os brasileiros, sempre que sai algo de Ivan Reis, Eddy Barrows, Andrei Bressan, Greg Tocchini ou Marcelo Costa eu procuro dar uma olhada. Temos muita gente boa atualmente. Tem um artista italiano que o Marcelo Costa (grande amigo e mentor) me indicou chamado Simone Di Meo cujo trabalho é espetacular também. Ficar citando nomes é até injusto, pois fica um monte de gente muito boa de fora...

 

(CS) Realmente se for colocar todos os nomes dos artistas que você tem com referência seria realmente injusto haha, mas é bom ver que grandes artistas tiveram um impacto na sua vida e como isso te influencia no seu trabalho. Mas falando sobre trabalhos, que projetos tem desenvolvido atualmente no mundo dos quadrinhos? Tem trabalhado em algum quadrinho em especifico, tanto pessoal quanto em parceria com algum roteirista?

(AC) Eu tenho um contrato vigente com o FaythStudios, da série “Decápolis”, para as páginas de mais 2 edições. E fechei com eles de fazer as Capas de edições futuras, independente de eu ter desenhado o interior das revistas. Com eles já fiz outras 3 HQs e algumas capas.

Paralelamente, eu sigo desenhando a minha autoral “Comics & Headphones”, que mistura Quadrinhos e Música. É um projeto um pouco mais “arrastado”, pois envolve liberação de uso das letras e retorno das bandas. Fora que, sendo autoral, sempre vai para o fim da fila das prioridades. Rs...

Eu fiz uma “parceria” com um roteirista há alguns anos, mas a experiência não foi legal como eu imaginava que seria (pagamento incompleto, projeto engavetado etc.). Para rolar algo hoje, tem que ser com algum amigo muito próximo e em igualdade de condições, quanto aos riscos.

No ano passado cheguei a fazer uma arte para uma capa variante de um título grande, mas não sei se/quando irão utilizar.

Enquanto isso, foco nas páginas de “Decápolis”, nas commissions e artes para Galerias de Artistas Convidados de projetos de amigos (casos de “Contos dos Orixás”, “Scarecrows”, “Entrespaço:2022”, etc.).

 

(CS) Muito bom ver que você tem tocado projetos tanto no exterior quanto aqui no mercado nacional, mostra o quanto de impacto seu trabalho tem tido e evoluiu com o tempo. Mas olha nos aqui na Comics and Signatures, sempre ficamos curiosos nos projetos autorais dos artistas que participam dos nossos eventos, o que você poderia nos falar mais sobre o “Comics & Headphones” de onde saiu a ideia de juntar quadrinhos e musica e em uma coisa só?

(AC) O projeto “Comics & Headphones” é a materialização de uma brincadeira que o meu cérebro teima em fazer: sempre que ouço uma letra de música interessante, fico imaginando como seria possível representar aquela “história” graficamente, mas sem fazê-lo de forma literal. A ideia é ilustrar a mensagem das letras de uma forma diferente da visualização imediata que o nosso cérebro faz, ao traduzir as palavras, mas ainda assim, mantendo a mensagem da música, criando um paralelo direto entre som e imagem.

No final das contas, é uma homenagem às bandas e um exercício de narrativa, a partir de um roteiro escrito pelos compositores.

As histórias seguem a língua original da letra da música, mas ao final de cada uma, o leitor encontra a letra original da música e sua tradução em português (para as músicas estrangeiras). Na mesma página, há um QR Code que direciona o leitor para um vídeo ou áudio da canção. É possível ter 2 experiências diferentes lendo a HQ com ou sem a música tocando.

Meu plano é o de publicar volumes com 4 a 5 músicas/histórias em cada

(CS) Nossa que incrível, esse é um projeto muito interessante e principalmente ambicioso! Mesmo com as dificuldades que você pontuou, só de olhar o preview já deu para ter uma ideia de como a estrutura e ideia do projeto é boa, espero ver ele publicado um dia. Bom, agora que já conhecemos mais sobre sua história, você havia dito que voltou aos quadrinhos em 2012, ou seja, já se passaram 10 anos desde que começou nessa jornada, e muita coisa já deve ter mudado em sua vida. O que tem sido desenhar quadrinhos para você, como praticar essa arte tem te ajudado?

(AC) Eu voltei a desenhar em 2012 e praticamente “caí de paraquedas” nos Quadrinhos em 2014. Desenhar é uma necessidade que eu havia limitado ao projetar arquitetônico, mas que voltou com tudo assim que eu retomei em 2012. Alguns artistas o fazem como forma de expressão, outros como válvula de escape, mas para mim é quase como uma meditação. Os momentos em que me dedico a encarar os desafios que isso envolve (composição, anatomia, enquadramento da imagem...) são de muita tranquilidade para mim.

E apesar das diferenças óbvias entre os ofícios, eu enxergo muitas similaridades entre o arquiteto e o quadrinista. Os dois processos começam com esboços que vão sendo desenvolvidos e passados a limpo até resultarem em um produto final; ambos contam uma história e têm a capacidade de afetar o interlocutor e transmitir sensações. Um dos primeiros estágios que fiz em arquitetura foi em um escritório que fazia muitos projetos de forma tradicional (nanquim sobre papel vegetal, régua paralela e lâmina de barbear como borracha). Eu incorporei muita coisa do desenho técnico arquitetônico na minha linguagem de quadrinhos, como o uso de peso gráfico e perspectiva. Quando desenho de forma tradicional, uso canetas técnicas (limito bastante o meu uso de pincel). Muitas vezes uso cortes de edifícios ou fachadas chapadas em quadros nas histórias (quando favorecem a narrativa).

Por outro lado, muitas vezes os roteiros de quadrinhos são situados em localizações reais, ou com arquétipos reais, ainda que em cidades fictícias. Eu sou um arquiteto com uma linha contemporânea, que dificilmente projetaria algo gótico ou medieval, por exemplo. Mas não dá para desenhar uma Gotham City que não seja suja, corrupta e gótica, ou uma história de época sem o contexto histórico correto. Logo, a pesquisa constante que os Quadrinhos muitas vezes demandam, enriquecem o meu repertório enquanto arquiteto. Então, acho que as 2 carreiras me tornam um pouco mais completo em ambas (pelo menos gosto de acreditar nisso).

 

(CS) Sim, por mais diferente que sejam os trabalhos de arquitetura e quadrinhos, ambos têm o foco de contar uma história no fim, seja através das construções ou páginas. E a forma de como os trabalhos podem se ajudar de alguma forma torna tudo muito melhor. Mas vamos tocar em um assunto um pouco diferente agora, quais são seus planos para esse ano em relação a eventos presenciais. Com o retorno da CCXP, após dois anos. Você tem interesse em participar desse e outros eventos para voltar a expor seu trabalho de forma presencial, e voltar a se conectar com outros fãs? Sei, que ao longo de todos esses anos participando do evento e fazendo parte do Artist Valley, deve ter feito muitas amizades e conhecido muitas pessoas através de eventos.

(AC) Sua pergunta veio justo no dia em que estou me inscrevendo para o Artists’ Valley. Ou seja: eu mal posso esperar! Rs...

Como nunca tive uma plataforma de e-commerce, e era necessário estruturar isso para as CCXPs virtuais, acabei nem me inscrevendo para as 2 últimas edições do evento.

De 2015 até 2019, estive em todas as edições. Fiz muitos amigos artistas lá e conheci muita gente que seguia o meu trabalho e que eu nem fazia ideia.

Além de ser uma grande vitrine, o evento é uma oportunidade para rever alguns amigos dos quais ficamos distantes durante o ano.

Tenho alguns amigos artistas próximos, com os quais falo durante o ano, mas que só encontro mesmo nos eventos. Eu não vejo o Mauro Fodra, meu parceiro de mesa nas últimas 3 edições presenciais, desde 2019...

(CS) A CCXP é um evento repleto de energia, certeza que cada ano que você participou foram mixes de sentimentos diferentes e experiencias únicas, vai ser muito bom vê-lo por lá, e encontra-lo pessoalmente haha. Bom, agora depois de todo esse tempo de trabalhos e eventos, você já deve ter desenvolvido várias habilidades na criação e desenvolvimento de quadrinhos, você teria alguma dica para quem está começando nesse meio e sonha em fazer parte do mundo dos quadrinhos, que passos elas devem seguir?

(AC) Como eu não “vivo” de Quadrinhos, minha produção é bem menor do que eu gostaria, então não me considero a melhor pessoa para dar conselhos, mas acho que o principal é não parar de estudar e produzir.

Eu, por exemplo, como tenho que conciliar a produção artística com o escritório, me forço a sempre tentar algo fora do meu habitual nas commissions, principalmente, como forma de experimentação e estudo. Pode ser um ângulo de câmera diferente, um gestual ou pose inusitados, enfim... Isso me obriga a voltar para os estudos de anatomia e trabalhar perspectiva e escorço. O mesmo serve para as páginas; sempre que possível tento um quadro mais difícil de executar. Não é sempre que é viável, pois a Narrativa tem que ser a prioridade, mas quando dá, encarar esses desafios é enriquecedor para o artista.

Mas o conselho seria estudar e não se dar por satisfeito. Sempre dá para evoluir; achar que já alcançou o máximo do seu potencial ou que o seu trabalho está muito bom pode ser uma grande emboscada para si mesmo. Tem que praticar muito com muita experimentação.

 

(CS) Nunca se dar por satisfeito acho que é uma das características principais para ser bom em qualquer coisa, principalmente como artista, pois sempre existe uma forma de criar algo mais “ousado”. Bom, para finalizarmos nossa entrevista, só temos a agradecer pela oportunidade de podermos ter você hoje em nosso evento do Free Comic Book Day desse ano, você teria umas últimas palavras para os leitores que querem conhecer mais sobre você e seu trabalho?

 

(AC) Eu que agradeço pelo convite e o espaço! É sempre gratificante quando equipes que fazem um trabalho tão dedicado quanto o que a Comics & Signatures faz, resolvem entrar em contato para falar um pouco sobre o nosso trabalho.

E obrigado também ao pessoal que acompanha o meu trabalho. Seguirei postando a produção no site (antoniocoltro.blogspot.com.br) e no Instagram (instagram.com/antoniocoltro).

Abração a todos!

2 comentários

Antonio Carlos Coltro

Antonio Carlos Coltro

Entrevista de Antonio Carlos

Antonio Carlos

Antonio Carlos

Muito boa a entrevista. Parabéns!
Vc merece.

Deixe um comentário